Texto por Fernanda Aoki.

Nunca tinha soltado pipa na minha vida. No fim de semana meu namorado me deu uma pipa de presente, e lá fomos nós.
No começo ele estava com vergonha de ser criança, mas de repente, ele começou a me ensinar; virou professor, adulto, então estava autorizado a brincar. Era permitido, já que mantinha a postura, o papel de gente grande.
Repentinamente a pipa alça vôo, vai se levantando, subindo, subindo, e lá em cima, livre, vai dançando nas asas do vento. Eu me enrolo toda na linha, porque tenho a ilusão de controlá-la.
Ela, colorida lá em cima, mostra o que é ser livre. Não se pode controlá-la, mas apenas aproveitar os ventos que batem nela. E o segredo, como ensinou meu professor, é saber a dinâmica de ora soltar mais linha, ora puxá-la de volta. Esse vai e vem de quem não prende algo, ao contrário, dá asas e segurança para que se consiga MANTER o vôo.
Diante daquela dança, já não existiam mais professores, adultos, ilusão de controle. Como por encantamento só se viam crianças livres. A pipa nos ensinava ludicamente como devíamos ser. Espelhados nela, começávamos a rir sem perceber tudo que continha naquela tarefa embaraçada de mantê-la voando.
Escrevi na pipa “Fer para João”, ela encarnada de nós então reproduzia no céu o que e como devíamos ser: pipa colorida e criança... Pipa eu, para ele manter no céu...Pipa ele, para eu fazê-lo voar.
Devagarinho fui entendendo que assim são os verdadeiros relacionar-se: SOLTAR PIPAS! Em que o movimento se dá entre soltar o fio e puxá-lo, e até correr para impulsionar o vôo. Assim se ama. Às vezes dando um impulso para que o outro busque seu lugar, sem se contentar com o chão e depois quando este está no “céu”, dá-se a segurança do fio tensionado. “Ei estou aqui, te segurando firme...” Outras vezes se dá asas, distribuindo linha à pipa, confiando no potencial que ela tem de alcançar as alturas...E quanto mais alto ela for, mais quem sustenta o fio se alegra. Vitória, um pedacinho daquele que está na terra é elevado aos céus. É um trabalho a dois, de uma ligação tão profunda que mesmo do chão se pode voar com a pipa.
Quer dizer, trabalho não. Trabalho é coisa de gente grande. É brincadeira, pois se constrói sem peso, sem obrigação e serviço...Se faz no sorriso, entre o ar e chão, o concreto e a fantasia... Sem significado pronto, mas cheio de sentido, que não precisam ser explicados, mas vividos...
Soltar pipa me ensinou que se tentarmos controlar a pipa, nos enrolamos no fio. Ficamos muito mais presos que ela, na obsessão do controle. Como nos relacionamentos, quando nos iludimos do controle, somos nós os presos,controlados pela ilusão e conseqüentemente não permitimos que também a “pipa- outro” voe. Por outro lado, se soltarmos de forma indiferente e displicente, a nossa pipa vai embora...Se perde! Assim se vão os amores pelo comodismo, relaxo, falta de ligação...O fio vai ficando frouxo, e eles partem para longe...
Brincadeira de pipa é RELAÇÃO sem precisar de laços concretos que se fazem no nó, se baseiam na confiança que a ligação é tão íntima que faz parte de você e te faz voar pelo simples fato de estar ali, ligado. A pipa não voa sozinha. Só, ela fica no chão...Assim como é impossível soltar pipa só com a linha. É preciso da pipa e dos ventos, sem eles só se terá os fios- as amarras –Pipa sozinha é só papel, e fio somente, é amarra, ambos sem vida. No
encontro dos dois é que a mágica surge, há um encantamento que se faz pássaro, criança, espelho, dança, brincadeira, vôo, vida, vínculo, amor...
“Fer para João”, quero ser brincadeira de pipa, sabedoria de criança que espelha no céu o que é muito grande para caber no chão...
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