Caber, nunca vai caber. Falei para Maria, mas não com resignação; já que essa era nossa maior fome e necessidade. Tinha dor,mas não era ferida. Talvez fora e já estava cicatrizada de tão antiga. Cicatrizada é muito resolutiva, para algo sem solução. Tava era cascuda, calejada.
Não cabia nem em mim. 1,5m nunca daria conta de tudo que me surge, trans-bordo, rompo as medidas, já não sou eu que tenho a vida é ela que me possui. Imagina com os outros... O que podem nos dar são apenas estados de encantamento e contemplação. O que é bonito e triste, pois ambos são atos que precisam de admiração, distância e brevidade.
Tal como quando se vê a lua e se sabe tão imensa e intensa, tão outra que apesar de nos encher a alma, vamos dormir e a deixamos lá, do lado de fora, porque não cabe em nós, não é nossa.
Assim vazo, escapo, não porque quero, mas porque escorre, es-corro...E é justamente essa parte que perde a direção, minha parte errante, estrangeira...Em busca, mas sabida que é justamente essa sua essência e portanto, também sua condenação...
Não cabe no colo, na canção de ninar, no abraço, na conversa, na fala, no olhar... Não, nunca vai caber. Repentes nos aliviam, entre uma mamada e outra, um beijo e outro, uma falta e outra, há sempre nas músicas as pausas, e é nelas que moram nosso descanso, mas com ele, nossa ilusão. Como querer um contorno de algo mutante?é um pedido covarde, indecente.
Mas quando me vem a fome, esqueço da sua incoerência e exijo, deveria ter havido. Ela me con-some. Onde mora mesmo a água que nunca mais me daria sede? Não, a questão não é a água, dela tenho de sobra, inunda-me. A escassez é de buraco, vazio, continente, algo que se abra para mim, para meu infinito. Não quero que os outros desapareçam, desfaçam, essa não é uma saída, continuarei sozinha. Não sei qual é a fórmula, senão me unir À Maria, à nossa condição solitária, inundante.
Nossa parte do rio que de nada serve, não irriga, não deságua, varre, faz mangues e poças, descaminha-se.
Sabida de minhas sobras, recolho-me, puxo-me a rodo em meus silêncios. Quando consigo. Para poupar o outro de minha intensidade.
Minha alma, ou que a atravessa, essa, resvala em sopros, é ar, ao pegá-lo já não está ali, faminto se amplia e ocupa todo o espaço que oferecer, e ainda assim nunca será o bastante.
Os encontros dos olhares encantados, dão esperança de ter lugar, mas é uma casa de inquilino...casa passagem, não fica, não contém, é plateia que vê a banda passar do lado de lá..
Minha maior parte é essa passageira, passa também em mim, me traga e me deixa... Quando se vai até parece um sossego, serei eu normal? Terei morada? Não sei ser pela metade...Apesar de saber que só caberão metades...Metade de mim é abrigo, a outra metade inundação.
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